domingo, 10 de maio de 2015

Licenças e Apostas

Por Osvaldo Valente


Dia de visitas em uma penitenciária brasileira: mães e mulheres levam "jumbos" para filhos e maridos encarcerados.

Sigo a revista Foreign Policy no Facebook por interesses outros que violência, prisões e criminalidade. Hoje, contudo, encontrei na minha timeline uma matéria que o site da revista publicou. O título é o seguinte: “No dia das mães, Brasil manda seus condenados para casa para ver suas genitoras”. Há uma dose cavalar de ironia já no título da matéria, pois o que traduzi como “genitora”, seria melhor traduzido como “mamãe”, uma forma infantilizada de se referir às mães dos presos.
Há outras ironias ao longo a matéria – o repórter parece genuinamente espantado com a importância que o dia das mães tem por aqui, perdendo em vendas apenas para o Natal –, mas isso não compromete um mérito que lhe atravessa o tempo todo: o esforço de ver os dois lados da questão.

     Comecemos com o lado ruim. Não há como não começar qualquer matéria sobre prisões no Brasil sem aludir àquilo que elas têm de pior: superlotação, violência, estupro e o que chamaria de “abandono judicial”, presos cumprindo pena além da condenação ou impedidos de obter benefícios a que já têm direito por falta de assistência judicial. Nesse cenário, aproveitar uma das licenças para simplesmente não voltar não chega a ser uma surpresa. Claro, que para aqueles que acham que presos “devem sofrer” esta última prática (não voltar para a penitenciária) é o que serve de argumento para que a prática das licenças seja abandonada.
Mas há o lado justo da matéria. Ela tem o mérito de esclarecer qual o sentido de se liberar por alguns dias presos que apresentem bom comportamento. Assim, “o programa de licenças (são cinco ao longo do ano) tem benefícios substanciais: ele ajuda os reclusos a se envolverem com suas comunidades e famílias, e os ajuda a se reintegrarem mais facilmente depois de libertados”. Um ganho para o preso e para a sociedade.
Cena do documentário Dia de Visistas
Justo. Mais claro impossível. Um programa e seus objetivos, suas apostas. Gostaria de saber se há pesquisas que as sustentam, isto é, que provam que se trata de uma boa prática. Do ponto de vista puramente teórico, faz sim muito sentido. Do ponto de vista de um tratamento humanitário de nossa sempre crescente população carcerária, faz ainda mais sentido.
Há algo que merece atenção. Uma perna dos objetivos do programa, aquela que diz respeito à família, parece um tanto redundante. Como explorei no livro e em minha própria pesquisa, presos dependem profundamente de suas famílias. A prisão não os afasta. Pelo contrário: aprofunda a relação. Há casos em que presos sustentam sua família com o trabalho que desenvolvem dentro da penitenciária. Claro, são exceções. A regra é a dependência material e, porque não dizer, emocional da família. E não vou tratar do outro lado da regra pois sei este é o abandono – alguns condenados simplesmente não têm família. Eles não são alcançados pelo programa. Resta, então, a aposta na comunidade como aquilo que o programa acrescenta à família. É este “a mais” que precisa ser medido.


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