domingo, 12 de abril de 2015

O Espetacular e o Repulsivo

Por Osvaldo Valente

Acabei de assistir ao filme argentino Relatos Selvagens (2014), de Damián Szifron, que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano.  Com histórias curtas e díspares. Relatos tem uma única personagem principal: a violência. De fato, em todos os curtos “contos cinematográficos”, a violência está presente e justifica o uso do adjetivo “selvagens” do título do filme.
Gostaria de usar isso, a centralidade da violência nas histórias contadas para fazer um exercício que, acho, não é ocioso: compará-lo com o filme grego Miss Violence (2013), de Alexandros Avranas. E me explico desde já: ambos os filmes se propõem a ser reflexões sobre o tema. Daí a possibilidade de compará-los.
Cartaz do filme Relatos Selvagens de Damián Szifron
Começando pelo mais recente, o argentino, deve-se notar que a violência ali é sempre um ato descontrolado. Daí porque o filme seja um tanto barulhento. Suas personagens perdem o autocontrole e lançam mão da violência para resolver uma disputa no trânsito, para punir um escroque (episódio em que faz-se uma francamente apologia da vida mansa na prisão) que desmantelou sua vida familiar, para deixar claro seu descontentamento com a impessoalidade burocrática, ou, para citar apenas mais um episódio, para se vingar de um marido infiel. Assim, há sempre algo que tira os protagonistas de seu equilíbrio e os empurra para o seu lado selvagem. Descontrolados, eles são algumas vezes francamente engraçados, como, aliás, o filme se propõe a ser em muitos momentos: mostrar o ridículo de nossos atos descontrolados.
Quando vi o filme, me lembrei de um dos personagens do livro Ruído Branco, de Don DeLillo. Trata-se de um professor universitário que em sua disciplina assiste explosões cinematográficas com seus alunos. Vários tipos. Acompanha a, digamos, evolução das explosões nos filmes. Sua conclusão: a infantilização das explosões. Quanto mais espetaculares, mais pueris. Penso que podemos dizer o mesmo acerca da violência cinematográfica: espetacular, mas infantilizada.
E esse é exatamente o que vai acontecendo com as histórias presentes no filme de Szifron. Talvez por isso, seus contos quase sempre tenham como fim a redenção de seus perturbados personagens. Em um único caso isso não acontece, mas esse é também o único caso de humor negro no filme (ao contrário do que vi escrito como marca do filme em algumas críticas a que tive acesso). Um tem sua vingança, outro perdoa seu agressor ao perdoar seu filho, outro ainda finalmente encontra tempo para a família ao ser preso.
Irônico, mas beira o pastelão.
Cartaz de divulgação do filme Misxs Violence, de Alexandros Avranas
Miss Violence, ao contrário, é implacável. Ele começa com um suicídio de uma aniversariante durante a festa que sua família lhe oferece. Daí para frente, toda a história é de resolução do enigma: Por quê aquela menina que fazia onze anos se suicida? Não, não há um investigador policial, um detetive que observa os detalhes para chegar a um culpado. Pois, não há dúvida alguma: tratou-se de uma morte auto-infligida.
Na verdade o diretor coloca o espectador no lugar do investigador. Pouco a pouco a vida daquela família vai se desvelando e tudo aquilo parece cada vez mais estranho. O controle do pai sobre a família é incontestável, o silêncio é pesado, a disciplina é demasiada. Diálogos curtos e sempre tensos. A necessidade algo absurda de esquecer e esconder o suicídio. Ninguém está autorizado, ou mesmo quer ficar de luto.
Pai e filhas em Miss Violence
Uma família fria que leva um de seus membros ao suicídio? Não, bem pior. Uma família disfuncional em que o pai explora suas filhas, prostituindo-as e abusando sexualmente delas, sempre a partir dos onze anos. É francamente repulsivo quando isso fica claro. Toda a aparência de normalidade que a família quer passar, toda a roupa sempre limpa e arrumada, escondem uma relação sórdida e covarde em que um pai explora sua família. Não há gritos aqui. Não há explosões, nem descontrole. A violência é silenciosa, insidiosa. Ela vem de um covarde e acovarda toda uma família. Não há humor, mesmo que negro. Não há espaço para redenção aqui. As marcas já estão lá e são profundas.
O contraste entre os filmes é sempre muito grande. O barulho de um corresponde ao silêncio sepulcral de outro. A redenção encontrada em um é impossível no outro. Seria apenas uma questão de escolha dos autores e, portanto, os resultados apenas espelham essas escolhas estéticas? Talvez, mas do ponto de vista do entendimento da violência e seus resultados, Miss Violence está mais próximo da realidade. Violência não é glamorosa ou engraçada. Não conduz à redenção. Ela marca e é sobre essas marcas que bons artistas refletem.


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