Por Osvaldo Valente
Acabei
de assistir ao filme argentino Relatos
Selvagens (2014), de Damián Szifron, que
concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano. Com histórias curtas e díspares. Relatos tem uma única personagem
principal: a violência. De fato, em todos os curtos “contos cinematográficos”,
a violência está presente e justifica o uso do adjetivo “selvagens” do título
do filme.
Gostaria
de usar isso, a centralidade da violência nas histórias contadas para fazer um
exercício que, acho, não é ocioso: compará-lo com o filme grego Miss Violence (2013), de Alexandros
Avranas. E me explico desde já: ambos os filmes se propõem a ser reflexões
sobre o tema. Daí a possibilidade de compará-los.
Cartaz do filme Relatos Selvagens de Damián Szifron |
Quando
vi o filme, me lembrei de um dos personagens do livro Ruído Branco, de Don
DeLillo. Trata-se de um professor universitário que em sua disciplina assiste
explosões cinematográficas com seus alunos. Vários tipos. Acompanha a, digamos,
evolução das explosões nos filmes. Sua conclusão: a infantilização das
explosões. Quanto mais espetaculares, mais pueris. Penso que podemos dizer o
mesmo acerca da violência cinematográfica: espetacular, mas infantilizada.
E
esse é exatamente o que vai acontecendo com as histórias presentes no filme de Szifron. Talvez por isso, seus contos quase sempre tenham
como fim a redenção de seus perturbados personagens. Em um único caso isso não
acontece, mas esse é também o único caso de humor negro no filme (ao contrário
do que vi escrito como marca do filme em algumas críticas a que tive acesso).
Um tem sua vingança, outro perdoa seu agressor ao perdoar seu filho, outro
ainda finalmente encontra tempo para a família ao ser preso.
Irônico, mas beira o pastelão.
Cartaz de divulgação do filme Misxs Violence, de Alexandros Avranas |
Miss Violence, ao contrário, é implacável. Ele começa com um suicídio de uma
aniversariante durante a festa que sua família lhe oferece. Daí para frente,
toda a história é de resolução do enigma: Por quê aquela menina que fazia onze
anos se suicida? Não, não há um investigador policial, um detetive que observa os
detalhes para chegar a um culpado. Pois, não há dúvida alguma: tratou-se de uma
morte auto-infligida.
Na verdade o diretor coloca o espectador no lugar do
investigador. Pouco a pouco a vida daquela família vai se desvelando e tudo
aquilo parece cada vez mais estranho. O controle do pai sobre a família é
incontestável, o silêncio é pesado, a disciplina é demasiada. Diálogos curtos e
sempre tensos. A necessidade algo absurda de esquecer e esconder o suicídio.
Ninguém está autorizado, ou mesmo quer ficar de luto.
Pai e filhas em Miss Violence |
Uma família fria que leva um de seus membros ao suicídio? Não,
bem pior. Uma família disfuncional em que o pai explora suas filhas,
prostituindo-as e abusando sexualmente delas, sempre a partir dos onze anos. É
francamente repulsivo quando isso fica claro. Toda a aparência de normalidade
que a família quer passar, toda a roupa sempre limpa e arrumada, escondem uma
relação sórdida e covarde em que um pai explora sua família. Não há gritos
aqui. Não há explosões, nem descontrole. A violência é silenciosa, insidiosa.
Ela vem de um covarde e acovarda toda uma família. Não há humor, mesmo que
negro. Não há espaço para redenção aqui. As marcas já estão lá e são profundas.
O contraste entre os filmes é sempre muito grande. O barulho de
um corresponde ao silêncio sepulcral de outro. A redenção encontrada em um é
impossível no outro. Seria apenas uma questão de escolha dos autores e,
portanto, os resultados apenas espelham essas escolhas estéticas? Talvez, mas
do ponto de vista do entendimento da violência e seus resultados, Miss Violence está mais próximo da
realidade. Violência não é glamorosa ou engraçada. Não conduz à redenção. Ela
marca e é sobre essas marcas que bons artistas refletem.
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